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Geólogos esclarecem fatores que podem ter causado tragédia em Minas


Presidente da Febrageo, geol. Fábio Reis, em campo em Guaratuba (PR), observa evento denominado 'corrida de detritos de grande porte'. Créditos: Arquivo Confea

Fraturas em rochas de quartzito, associadas ao intemperismo (conjunto de processos mecânicos, químicos e biológicos que interferem na coesão de rochas), agravado pelas chuvas atualmente verificadas em grande parte do país, podem ter sido as causas da tragédia no cânion do Lago de Furnas, no município de Capitólio (MG), no último sábado, na qual 10 pessoas morreram e dezenas se feriram, após o tombamento de um bloco rochoso atingir lanchas onde estavam as vítimas. Em notas, a Sociedade Brasileira de Geologia (SBG) e a Federação Brasileira de Geólogos (Febrageo) lamentaram o fato e buscaram esclarecer alguns dos aspectos relacionados ao tema. Acompanhando as manifestações, a conselheira federal geol. Marjorie Nolasco também se posicionou em defesa de medidas preventivas como o mapeamento geológico das regiões turísticas. 


A Sociedade Brasileira de Geologia informa que, entre 2011 e 2021, o Brasil esteve em quinto lugar no índice de acidentes fatais, associados a eventos geológicos/geotécnicos. Foram 41 milhões de pessoas afetadas e 42 grandes eventos. “Riscos naturais associados com movimentos de massa são os eventos mais destrutivos e frequentes em regiões de montanhas e maciços rochosos. Um movimento de massa do tipo tombamento flexural pode ter sido a razão do acidente ocorrido em Capitólio”, descreve. A SBG ainda considera que tais eventos ocorrem há milhares de anos e são acentuados em decorrência de estações chuvosas. “Essa tragédia expõe um grave problema relacionado com a gestão territorial em regiões destinadas ao geoturismo no Brasil, que é a ausência de laudos geológicos e geotécnicos para identificar e tipificar os riscos geológicos dos locais a serem visitados, bem como determinar as restrições de uso e os procedimentos de segurança”, ressalta. 

Conselheira Federal geol. Marjorie Nolasco
Professora e conselheira federal, a geóloga Marjorie Nolasco apresenta detalhes sobre as características geológicas dos maciços rochosos como os de Capitólio (MG) e contextualiza a importância de valorizar a legislação ambiental e o exercício profissional habilitado para prevenir tragédias semelhantes


Segundo os geólogos Marjorie Nolasco e Fábio Reis, os tombamentos desse tipo são eventos naturais e sua ocorrência em um determinado local pode ser avaliada pelo mapeamento de risco das áreas turísticas do país, evitando assim a ocorrência de tragédias. Conselheira Federal e professora da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Marjorie sugere que esse tipo de incidente pode se processar ao longo de décadas, e sua extensão pode ser controlada. Já o presidente da Febrageo, reforça a necessidade de ampliar o mapeamento geológico, hoje mais implementado em áreas urbanas, para essas áreas turísticas, ajustando a Lei 12.608/2012.

O caso de Capitólio é descrito pela pesquisadora em um contexto comum a outras áreas de visitação turística do país, que serão comentadas abaixo.  Marjorie considera que trata-se de um "processo cultural onde a penetração de água vai abrindo as rochas que se quebram em fraturas ortogonais, de 90 graus". O processo tem continuidade com a concentração da água que circula nessas rochas e a abertura de um canal fluvial. "Essa é uma etapa em que a energia do rio afunda, exatamente porque estão em cabeiras, nascentes ou de encachoeirados", diz, referindo-se ao desgaste comum visto na base da escarpa das cachoeiras, onde há risco permanente de queda.

"Em qualquer cânion, a base é mais escavada do que as paredes. Isso age junto ao processo normal à fase de alargamento do rio, que vai aproveitar das fraturas, especialmente quando chove muito. Sem o suporte embaixo, o alargamento transforma o paredão em algo mais suave, ao longo do tempo. No caso de Furnas, há diversas marcas, que são outros pontos onde tem fratura, descolamento, e que podem acontecer daqui a 10 anos ou amanhã. Para saber só tem uma coisa a fazer: o mapeamento geotécnico e o acompanhamento sistemático e contínuo pelos profissionais habilitados, geralmente os geólogos. E esse acompanhamento vai possibilitar entender qual a velocidade de abertura, o risco de descolamento para alertar sobre a circulação ou para desprender o bloco e liberar a região. É um trabalho de monitoramento sistemático e de garantia de segurança para as pessoas para que a gente não tenha que acompanhar algo como aconteceu em Capitólio", descreve.

Fábio Reis relata ainda que a queda de blocos é um processo natural, formando depósito de “tálus”, blocos que caem e ficam alojados na base do talude, o que ajuda a identificar inclusive áreas de risco. Para ele, é possível dimensionar a quantidade de material envolvido nesses “movimentos gravitacionais de massa”, a partir de levantamentos de detalhe feitos no local. O geólogo informa que o tombamento de blocos está condicionado a fraturas no maciço rochoso. “O volume de rocha envolvido depende da superfície de descontinuidade e do espaçamento das fraturas”, explica.

Representação de tombamento em maciço rochoso, desenvolvida pelo professor Fábio Reis, presidente da Febrageo
Representação de tombamento em maciço rochoso, desenvolvida pelo professor Fábio Reis, presidente da Febrageo


“Deveria ser implementada uma equipe permanente de controle nessas áreas. Os riscos geológicos têm inúmeras faces: as inundações do sul da Bahia, de São Paulo, em Minas, o colapso e abatimento de cavernas, os rompimentos de barragens, escorregamentos de encostas, queda de blocos. “São situações contornáveis e não deveriam provocar perdas de vida humana, se houvesse cumprimento de um mínimo de cuidados, pois são áreas onde não deveria haver ocupação humana, algumas, inclusive, são proibidas legalmente. Ocupá-las implica em arcar com graves consequências, como as do Capitólio”, comenta Nolasco.

“A Lei 12.608 não é clara para áreas turísticas. Mas a Defesa Civil existe para prevenir esses acidentes, como os de Altinópolis e da Praia da Pipa. Temos milhares de áreas de risco que precisariam ser melhor identificadas, mapeadas e fazer intervenções. Em parques nacionais, isso também é comum. Em Fernando de Noronha, há várias praias que têm o mesmo problema de tombamento de bloco”, diz Fábio.

Legislação
Críticos da ausência de políticas públicas para a área, os especialistas concordam com a necessidade de ampliar a legislação federal da Defesa Civil, abrangendo os espaços turísticos com características semelhantes. “Cânion tem blocos rochosos que caem. Sempre. Faz parte. A mesma coisa, os movimentos de encosta. A lei das Áreas de Proteção Permanentes (APP´s) no Brasil, define que encostas com mais de 45 graus não podem ser ocupadas, assim como áreas de nascentes, recarga e divisores de águas. A gente tinha uma legislação ambiental das melhores do mundo, o problema sempre esteve na garantia do cumprimento e na fiscalização, são poucos profissionais para uma extensão imensa. Essas áreas precisam de acompanhamento. Se a gente tivesse um mapa geotécnico de acompanhamento e monitoramento, poderia prever o processo, calcular a aceleração da abertura e ter uma previsão de risco”, ressalta a conselheira.

Participante do CTRHM - Comitê Técnico de Recursos Hídricos e Minerais, no ano passado, ao lado do conselheiro eng. min. Renan Azevedo, Marjorie Nolasco defende a necessidade de promover contatos com a Agência Nacional de Mineração (ANM), Agência Nacional das Águas (ANA) e Ministério de Minas e Energia para ampliar a participação de profissionais regulamentados, e a fiscalização, de forma a melhorar a ação atual no território nacional.

“Faz parte do nosso plano de trabalho com a conselheira Michele Ramos (conselheira federal titular do mandato), a transparência da ação do Sistema  para a sociedade, inclusive acompanhando conflitos e criando espaços de diálogo com entidades profissionais, empresas, além das universidades, para a defesa da sociedade”, diz Marjorie, explicando que o geólogo é o mais competente profissionalmente para essa atuação com riscos geológicos, e mapeamento geotécnico, mas especializações podem agregar outros profissionais, muito comuns nas áreas como Engenharia Civil, Engenharia de Minas e Geografia para atender a parte das demandas envolvidas. 

“Lamentamos que órgãos como a ANM, ANA e CPRM (atual Serviço Geológico do Brasil) tenham muito poucos geólogos frente à necessidade e ao tamanho do país. As prefeituras, especialmente de média e pequenas cidades, infelizmente, desconhecem a importância desses profissionais ou os acham ‘caros’, raras são as que têm um corpo técnico consolidado na engenharia civil, que dirá com geólogos. Creio que os acidentes deste início de ano destacam a importância de melhorar a profissionalização de prefeituras e são um alerta quanto ao necessário diálogo com o Sistema e ao incentivo aos projetos integradores de engenharia pública”, acrescenta a conselheira federal.

Fábio Reis também sustenta que, no Brasil, não é comum fazer mapeamento de área de risco em áreas turísticas. “Só em áreas urbanas, onde o risco teoricamente é maior. O risco é uma probabilidade de ocorrência do processo versus as consequências sociais e econômicas. O Brasil sempre fez muito mapeamento em áreas urbanas, até porque a Lei 12.608/2012 não é clara para as áreas turísticas”, diz, defendendo a ampla divulgação da legislação e considerando que, mesmo nos Geoparques do país, o mapeamento tem sido feito esporadicamente, alimentando uma cadeia de riscos. “O geólogo faz a avaliação, mas isso tem que ser feito de forma sistemática, envolvendo governo federal e estaduais, sobretudo diante da tendência de crescimento do turismo”, pontua.

 

Segundo ele, a política de Defesa Civil fala genericamente do risco nesses ambientes. “Seria importante ser mais claro para a área turística, com recursos para os municípios e para as áreas de conservação. É preciso deixar mais clara essa política nacional e regulamentar recursos para mapeamento no Brasil todo”. O presidente da Febrageo argumenta ainda que o mapeamento é feito pelos geólogos, enquanto o controle, a contenção também pode ser feita por engenheiros de minas, engenheiros civis e outros profissionais habilitados. “É importante estabelecer uma regulamentação mais clara em áreas turísticas para uma atuação por profissionais habilitados. Isso é muito sério, a fiscalização precisa estar mais presente”, ratifica, considerando que a repercussão deste incidente em Capitólio poderá favorecer uma mudança desta realidade.

Procedimentos e  condições geológicas
Depois do mapeamento, diz Fábio Reis, poderá ser verificada a real situação de risco da área. “Se há evidência de ocorrer o processo com a definição de áreas de baixo a alto risco, deve-se começar as ações de contenção ou intervenção. Seria desmontar os blocos que estão soltos, o que exige muito planejamento e envolve engenheiros de minas, engenheiros civis ou geólogos. O uso de explosivos de baixa magnitude, desmonte manual, por meio de alpinistas, e o desmonte mecanizado são algumas possibilidades de ação, interferindo sobre a fratura para que o bloco caia. Em outras áreas, coloca-se cabos de aço para fazer com que os blocos não caiam. Todas essas são técnicas consagradas”, diz. “É uma ação multidisciplinar, envolvendo geólogos, engenheiros geotécnicos ou engenheiros civis que constituem os profissionais responsáveis por procedimentos de controle. O geólogo mapeia, oferece algumas opções. Esses outros profissionais vão operacionalizar os procedimentos. Cada um de nós resolve partes do problema”, corrobora Nolasco.

Os especialistas descrevem ainda as condições geológicas de outras partes do país. Fábio informa que na região de Itaipu, em Foz do Iguaçu, por exemplo, há outro tipo de tombamento, baseado na geomorfologia da área, não de quartzito, como em Capitólio, mas com prevalência de basalto. “Lá existem algumas contenções que promovem um controle maior sobre essas rochas, mas o risco sempre está presente”.

Na Chapada Diamantina, complementa Nolasco, há áreas de risco de quedas de blocos secas ou úmidas, ou seja, em paredões rochosos com e sem rios próximos. O material rochoso, acrescenta, tem base escavada e fica pendurado, vai se esfacelando, mais ou menos rápido, a depender do tipo de rocha. “Nos cânions do Sul, há basalto e rochas arenosas. Na Chapada dos Guimarães, você tem basalto e quartzito. As fraturas no quartzito abrem mais vagarosamente que em arenitos e basaltos, frente à menor reatividade e efeito do contato com a água. São todos vagarosos, mas quebram, é natural, sobretudo diante das constantes trombas d’água que estamos tendo no país. A penetração de água vai servir como um agente lubrificante, acelerando o processo já instalado, pois ajudam a desestabilizar e a deslocar blocos grandes, diminuindo o atrito entre os fragmentos”, diz, informando que as fraturas, no caso do Capitólio, são em ângulo reto (ortogonais), verticais ou horizontais.

Evento virtual promovido pela Sociedade Brasileira de Geologia, CPRM e Febrageo debaterá o tema nesta sexta (14)
Evento virtual promovido pela Sociedade Brasileira de Geologia, CPRM e Febrageo debaterá o tema nesta sexta (14)

Marjorie Nolasco destaca ainda que o acompanhamento, ou monitoramento geotécnico do processo, permite ao geólogo antecipar-se ao fato, interrompendo esse fluxo, e atuando na prevenção de acidentes. “É preciso verificar a inclinação da parede. No caso dos cânions, a inclinação é de 90 graus. Quanto mais perto da vertical, mais problemático, instável e fácil de cair, ângulos negativos são mais propícios ainda”, diz, comparando com o fluxo de lama dos morros,  que, apesar de serem movimentos de massa diferentes, com material mais fino, também são mais instáveis quanto mais verticais estiverem. 

Ainda segundo a geóloga, “se a base está mais escavada que o topo, o que é comum em falésias à beira-mar e na base dos cânions, úmidos ou secos, formando ângulos negativos, o risco é maior, frente à ação da gravidade. À medida que o tempo passa, aumenta o espaço entre os blocos, ampliando o espaçamento das fraturas, tendendo a quebras”. A conselheira federal explica que, no caso das falésias da praia, esse processo se dá de forma mais lenta, quanto menos contato houver com as ondas, já que a água, em qualquer caso, é um agente acelerador. “Períodos de alta energia como aqueles onde ocorrem trombas d’água fluviais, ressacas marinhas e fortes tempestades, são naturalmente de alto risco, devendo-se evitar visitação turística e reforçar a fiscalização.  Em períodos de chuvas intensas, esses espaços não deveriam ser abertos. Mas para isso é preciso conhecer, monitorar e fiscalizar, ter um controle maior”, afirma.

Outro destaque feito pela conselheira, foram as áreas de cavernas, conhecidas como áreas cárticas ou calcárias, também delicadas e de risco geológico alto quanto a desabamentos e colapsos, que precisam ser monitoradas sistematicamente. “As cavernas fazem parte de um bem conhecido conjunto de problemas e acidentes envolvendo uso e ocupação humana. Um dos emblemáticos foi Cajamar - SP, em 1986. No ano passado, ocorreu um desabamento em Altinópolis – SP. Na primeira, bairros colapsaram. Na segunda, em noite de chuvas, o teto da caverna desabou, soterrando pessoas que se abrigavam”.  A pesquisadora informa que diversas áreas de risco já foram identificadas pelo SGB/CPRM, no estado da Bahia, na zona central, inclusive com cidades inteiras construídas sobre um complexo espeleológico gigantesco. “E as providências não parecem ter sido ou estarem sendo tomadas”. As prefeituras, acrescenta, fazem de algumas cavernas seus “lixões”,  o que pode acelerar a abertura da caverna e o seu colapso.

A conselheira federal cobra uma presença maior dos geólogos em órgãos públicos federais, garantindo segurança à sociedade
A conselheira federal cobra uma presença maior dos geólogos em órgãos públicos federais, garantindo segurança à sociedade

A geóloga também reafirma a necessidade de desenvolver estudos geotécnicos para promover monitoramentos sistemáticos e seus devidos acompanhamentos, em todas as áreas deste tipo, não só urbanas, mas especialmente as turísticas de natureza. Destaca que é fundamental que paralelamente se promova processos de educação ambiental, que chamem atenção para os limites na relação do homem com o planeta. “Tanto formais, absorvendo as geociências no ensino básico, desde o fundamental, até a educação não formal, com formação para administradores, legisladores, gestores, professores, população no geral. Precisamos ter mais conhecimento do funcionamento do planeta”. E complementa: “ só a integração destes dois processos e a fiscalização poderão evitar ou minorar o que estamos vendo hoje no pais; seria uma forma de transformar um aprendizado dolorido do que ocorreu no Capitólio, em algo positivo”.

“Esse é um processo de educação. Arriscar faz parte de viver. Mas se o risco, o grau e o período que ele existe são conhecidos, pode-se evitar perdas de vidas e mesmo o visitante decidir que grau de risco quer correr.  Nas áreas de turismo de natureza, esportes radicais, ecoturismo, turismo de aventuras, também há outros riscos inerentes,  relacionados a doenças endêmicas, fungos, todos invisibilizados propositalmente, para que a natureza seja vista como idílica. Isso é irresponsável”, adverte Marjorie Nolasco, que participará de um debate sobre o tema da educação ambiental no próximo sábado (15).  

“Estudos de riscos geológicos, turísticos ou não, exigem técnicos que acompanhem e monitorem, envolvendo planejamento governamental, fiscalização do Sistema Confea/Crea e ainda a valorização ou melhor, o respeito e utilização das legislações existentes”, diz, manifestando-se ainda favorável a um controle maior inclusive nos Geoparques, à semelhança de áreas legalmente protegidas como APA´s, reconhecendo que “não somos predominantes, somos dependentes do planeta, precisamos traçar um paradigma diferente, geoético, de convivência com o planeta”.

Confea

 

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