
A Fundação Florestal, vinculada à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo (Semil), firmou contrato com a empresa Ob Portus Solutions, de Adamantina, para realizar o monitoramento e controle populacional de javalis em cinco unidades de conservação paulistas. A contratação marca um avanço na participação de engenheiros agrônomos em projetos de controle de espécies exóticas invasoras.
O javali (Sus scrofa), classificado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) como uma das 100 piores espécies invasoras do mundo, está presente nos seis biomas brasileiros, com registros em 21 estados e no Distrito Federal. A espécie representa grave ameaça à regeneração de florestas, à fauna nativa, à produção agrícola e à pecuária, podendo transmitir doenças como febre aftosa e leptospirose.
"Os primeiros registros da espécie remontam aos anos 1990. Desde então, sua expansão tem sido acelerada, especialmente pela ausência de predadores naturais e pela abundância de alimento nas lavouras. Por isso, o controle precisa ser feito com base em estratégias bem definidas de manejo", afirma o engenheiro agrônomo Flávio Gil, responsável pela condução técnica do projeto vencedor do certame.
Gil explica que o javali causa impactos significativos: "Ele devasta tanto a fauna silvestre como a flora e também causa danos muito grandes na conservação de solo, principalmente nas nascentes. O que eles fazem nas nascentes é fuçar, se afundam e vão degradando. "A empresa Ob Portus Solutions estrutura sua atuação no controle de javalis desde 2019, baseando-se na Instrução Normativa nº 3/2013 do Ibama, que declara a nocividade da espécie e estabelece regras para seu controle.
Habilitação profissional esclarecida
Em 2019, o Sistema Integrado de Gestão Ambiental (Sigam) havia comunicado que não competia aos engenheiros agrônomos a instalação de equipamentos para captura de javalis, atribuindo essa competência apenas a biólogos e médicos veterinários.
"Na época, foi feita uma consulta para a Câmara de Agronomia por um engenheiro agrônomo que trabalha há mais de 30 anos com animais silvestres e toda a cadeia produtiva relacionada à produção, abate e comercialização de animais como cateto, queixada, capivara, tartaruga e javali", conta Gisele Herbst Vazquez, coordenadora da Câmara Especializada de Agronomia (CEA) do Crea-SP.
A Câmara emitiu parecer favorável baseada nas diretrizes curriculares do MEC, especificamente a Resolução nº 1 de 2006, que estabelece que o engenheiro agrônomo é habilitado para atuar em todos os segmentos das cadeias produtivas do agronegócio. "O engenheiro agrônomo possui, como conteúdo curricular, disciplinas relacionadas à biologia, fisiologia animal, zootecnia, anatomia animal, zoologia e parasitologia", destaca Vazquez. A situação foi revertida e foi nesse período que Flávio Gil passou a trabalhar com javalis.
Gil enfatiza o diferencial do profissional de engenharia: "Enquanto o biólogo ou o veterinário olha mais para o animal ou para o meio ambiente, o engenheiro tem como premissa da engenharia criar soluções. O engenheiro pensa, calcula, coloca em prática e testa a resolução".
O conselheiro federal Daniel Robles, que acompanhou o processo, ressalta a importância da certidão de acervo técnico na conquista do certame: "Através da certidão de acervo técnico e daquilo que o Flávio construiu, ele conseguiu ser vencedor nessa licitação". A certidão de acervo técnico passou a compor a lista de documentos requisitados no processo licitatório após atuação da Associação dos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos da Nova Alta Paulista (Aeaanap) e evoluiu com orientação do Crea-SP.
"As entidades têm de estar abertas para ouvir as demandas dos profissionais, para poderem atuar representando o profissional de maneira eficiente, acelerando o diálogo entre profissional e Sistema; é assim que vamos transformar ideias locais em políticas públicas", disse o conselheiro federal.
Metodologia e desafios
Os javalis causam prejuízos significativos ao meio ambiente e à economia. "Esses animais pisoteiam nascentes e cursos d'água, depredam pequenos animais, matam filhotes, atacam seres humanos e ocasionam perdas econômicas por comer grãos, derrubar e pisotear plantas", explica Vazquez. "Além dos riscos sanitários por disseminarem doenças, eles competem por alimentos com a fauna nativa e podem contaminar suínos domésticos."
O projeto contemplará as Estações Ecológicas de Barreiro Rico, Angatuba, Santa Bárbara, Itirapina e o Parque Estadual de Ilhabela, prevendo a captura e controle de até 380 animais. "Utilizaremos armadilhas fotográficas, redes, cercados e outras técnicas que minimizam o estresse dos animais e asseguram o cumprimento das normas ambientais", detalha Gil.
O responsável técnico esclarece que não se trata de caça indiscriminada: "Neste contrato específico, não vamos praticar caça. Vamos fazer um manejo populacional mediante captura prévia e depois que capturar, fazemos o abate do animal. Visamos a captura dos grupos de porcos e não um a um, através de ceva e armadilhas coletivas para pegar toda a vara."
Entre os principais desafios estão as questões de acesso e segurança. "As unidades de conservação são de difícil acesso para montar e levar equipamentos. Temos que vencer a burocracia, relatos de furto de câmeras e a atuação de caçadores clandestinos", relata Gil. "Em Ilhabela, a topografia é muito difícil – encontrei vestígios a 700 metros de altitude, e a cota mais alta do parque é de 1.200 metros."
Perspectivas futuras
Robles vê potencial de expansão dessa atuação: "Cada vez mais esse tipo de processo vai ser realizado. Em Rondônia, por exemplo, existe a questão de manejo ambiental com búfalo. Há uma série de outros animais que se tornam problema de controle ambiental e prejudicam as lavouras."
Para Vazquez, é fundamental ter profissionais habilitados: "É muito importante que no controle dos javalis, que é uma atividade técnica, tenhamos o profissional habilitado, que possui os conhecimentos técnicos adequados. O engenheiro agrônomo pode elaborar planos de manejo, pensando na propriedade, na época do ano, na intensidade da infestação e escolhendo os métodos corretos de captura."
A iniciativa representa não apenas uma solução para o problema ambiental, mas também uma ampliação das oportunidades profissionais para engenheiros agrônomos em projetos de conservação e controle ambiental.
"A atuação de profissionais habilitados e registrados é o que transforma desafios ambientais em soluções viáveis. Mais do que cumprir a lei, trata-se de proteger vidas, preservar ecossistemas e assegurar que cada etapa do processo seja conduzida com ética, competência e compromisso com o interesse coletivo", conclui Robles.
Gil finaliza destacando a face preventiva do trabalho: "É fundamental compreender que esse processo não tem caráter apenas corretivo, mas preventivo: precisamos evitar que novos desequilíbrios se consolidem."
Beatriz Leal
Equipe de Comunicação do Confea