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Da produção ao alimento: como se relaciona esta cadeia


Créditos: Arquivo CREA-RS

Como se relacionam o produtor, o profissional, os órgãos de fiscalização perante à legislação de agrotóxicos? Por que ainda nos deparamos com o uso indevido e inadequado desses produtos? Existe cooperação entre os órgãos e os procedimentos de fiscalização e de produção? Essas foram algumas das principais questões discutidas por profissionais, produtores, fabricantes e órgãos públicos, na sexta-feira (24), durante o Seminário Técnico Legislação de Agrotóxicos, Receituário Agronômico, Comercialização e Uso – Aspectos Técnicos e Legais. Evento realizado por iniciativa do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio Grande do Sul e da Associação de Engenheiros Agrônomos de Passo Fundo (AEAPF).

Ao longo de todo o dia, especialistas envolvidos em todos os setores da cadeia produtiva, como usuários, técnicos, fabricantes, revendedores, órgãos de normatização e fiscalização levaram ao debate aspectos legais, práticos, profissionais, éticos e ambientais, além de esclarecimentos sobre registro, prescrição, comercialização e uso dos produtos. Confira os painéis:

 

Receituário Agronômico: a Prática Precede a Legislação 

Eng. Trevisan

A comercialização de produtos fitossanitários vinculada a uma Receita Agronômica é uma exigência legal ou prática recomendada em muitos países há algum tempo. No Brasil, tal medida tornou-se obrigatória a partir de 01 de julho de 1989, com a publicação da Lei Federal nº 7.802/89. Entretanto, desde o início da década de 70, segundo o Eng. Luiz Pedro Trevisan, coordenador da Câmara Especializada de Agronomia do CREA-RS, as preocupações com o uso indiscriminado de produtos fitossanitários eram motivo de discussões, em razão do crescente número de ocorrências de acidentes com agricultores e agressões ao ambiente registradas em nosso país, especialmente no Rio Grande do Sul. Tanto que o Banco do Brasil já exigia a receita para a liberação de verba para fins rurais. 

“Do Rio Grande do Sul para o País, o Receituário Agronômico surgiu em Santa Rosa, tendo como idealizador o Eng. Agr. Milton Guerra, já falecido”, esclarece o Eng. Trevisan. Em sua manifestação também ressaltou as vantagens da adoção do Receituário Agronômico, destacando a contribuição para  maior conscientização do uso de produtos fitossanitários; a valorização do meio ambiente, com medidas efetivas para protegê-los; a permissão para maior rigor nas fiscalizações dos problemas de ordem toxicológica; entre outras.

Eng. Palma
O presidente da Associação de Engenheiros Agrônomos de Passo Fundo, conselheiro do CREA-RS e professor da UPF, Eng. Agr. Bernardo Palma, também apresentou os fundamentos do Receituário Agronômico, com destaque para a exigência de profissional com conhecimento e habilitação técnica para que se possa realmente atingir os objetivos a que se impõe. Esclareceu, ainda, que a receita agronômica é apenas o instrumento final de todo o processo desenvolvido, envolvendo características técnicas e éticas.

O Eng. Palma informou ainda que, após a promulgação da Lei Federal, foram publicadas leis estaduais, leis municipais, resoluções e normas de entidades de classe (Sistema Confea/Crea), visando à adequação dos diferentes setores à nova legislação vigente. 
Esse resgate histórico foi a introdução às palestras que ocorreram ao longo do Seminário.

Confira a palestra
 

O Profissional e a Responsabilização Administrativa, Civil e Criminal

Promotor Martini aborda atuação do MP-RS

No primeiro painel, que abordou os aspectos legais do uso de agrotóxicos e Receituário Agronômico, o promotor de Justiça Daniel Martini, coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público Estadual (CAOMA), ressaltou que o avanço tecnológico permite a maximização dos recursos naturais, entretanto ainda o país se depara com um cenário preocupante de desrespeito às legislações vigentes. “O MP está aberto a colaborar para o amadurecimento democrático da sociedade, em que a cada direito corresponde um dever. Acabou a era do amadorismo”, enfatizou o promotor. Reforçou que cabe ao profissional a inteira responsabilidade sobre seus atos, nos campos administrativo, civil e criminal.

Em sua exposição também apresentou situações detectadas no MP com referência ao descumprimento às legislações que regram a comercialização e o uso de agrotóxicos, havendo uso de produtos proibidos em seus países de origem, produtos não prescritos para determinada cultura, compra ilegal (descaminhos ou contrabando), venda de receita, entre outras.

Em uma ação conjunta com a Câmara Especializada de Agronomia do CREA-RS foi contemplada na Norma de Fiscalização nº 05 de 2010 a visita prévia e atual à lavoura, para lavrar o diagnóstico. “Essa é a nova regra. Primeiro é feita a vistoria, depois o diagnóstico e a prescrição. Podem vir a ocorrer exceções, quanto se tratar de profissional responsável por aquela lavoura há muito tempo, ou em situações de surto”, esclareceu.

Aproveitou para citar a Lei 7.082/89, em seu artigo 14, que prevê a responsabilização administrativa, civil e criminal dos entes envolvidos na cadeia de produção: 
a) ao profissional, quando comprovada receita errada, displicente ou indevida;
b) ao usuário ou ao prestador de serviços, quando proceder em desacordo com o receituário ou as recomendações do fabricante e órgãos registrantes e sanitário-ambientais (Redação dada pela Lei nº 9.974, de 2000);
c) ao comerciante, quando efetuar venda sem o respectivo receituário ou em desacordo com a receita ou recomendações do fabricante e órgãos registrantes e sanitário-ambientais (Redação dada pela Lei nº 9.974, de 2000);
d) ao registrante que, por dolo ou por culpa, omitir informações ou fornecer informações incorretas;
e) ao produtor, quando produzir mercadorias em desacordo com as especificações constantes do registro do produto, do rótulo, da bula, do folheto e da propaganda, ou não der destinação às embalagens vazias em conformidade com a legislação pertinente (Redação dada pela Lei nº 9.974, de 2000);

Ressaltou que o MP-RS está realizando uma série de ações, em cumprimento à lei e ao exercício do profissional habilitado, entre elas a abertura de inquéritos civis para acompanhar e apurar casos de receitas indevidas e em desconformidade legal. Citou, ainda, o convênio com o Laboratório de Análise de Resíduos de Pesticidas (LARP) para subsidiar e embasar os processos criminais e ações civis públicas, através de estudos técnicos, perícias e análises. Além da implementação do projetos Agroquímicos, em parceria com o CAO Criminal, CAO Consumidor e CAO Ambiente para fomentar a exigência do licenciamento ambiental para o desenvolvimento da atividade de pulverização tratorizada ou costal/manual de agrotóxicos, além de fomentar a edição de leis municipais.

Ao finalizar, o promotor Martini reiterou aos participantes do evento a importância do cumprimento das obrigações legais sob pena de gerar responsabilização administrativa, penal e civil, inclusive dos responsáveis técnicos.

Confira a palestra

 

A Visão do Produtor Rural

Eng. Hamilton relata a realidade no campo
As necessidades e a realidade do campo foram abordadas pelo Eng. Agr. e produtor rural Hamilton Guterres Jardim, que enfatizou que atualmente os produtores dispõem dos melhores equipamentos tecnológicos e da segurança das pesquisas feitas por institutos. Ressaltou, no entanto, que faltam projetos para a compra de insumos, sendo necessária a mudança do cenário atual. “O produtor tem uma preocupação ambiental muito grande”, finaliza Jardim. 

 

A Visão do Emissor da Receita Agronômica

A orientação técnica é dada ao produtor

Representando as revendas e cooperativas, o Eng. Agr. Luis Augusto Weber explicou que são elas que fazem o acompanhamento e a programação com os produtores para o adequado uso dos agrotóxicos. Citou sua empresa, que está há mais de 20 anos no mercado, com uma equipe formada por 12 Engenheiros Agrônomos e 12 Técnicos, atendendo 2.100 clientes, e que registra uma média de 14.500 receituários por ano. “É uma reponsabilidade muito grande, porque a comercialização que faz parte do negócio não evoluiu com o tempo, associado a isso a falta e a morosidade do registro de novos produtos”, desabafou, justificando a necessidade de modernizar os trâmites para essa área.

 

A Visão da Pesquisa

O Eng. Agr. Dr. Leandro Vargas, da CNPT/Embrapa, iniciou sua explanação esclarecendo que existem várias iniciativas em produção orgânica e convencional. Ressalta, entretanto, que as culturas modernas prescindem o uso de agrotóxicos, sendo necessário buscar a melhor e mais adequada forma de usar esses produtos. 

Segundo Vargas, a área da pesquisa busca antecipar cenários, indicar soluções e as reações antagônicas, e que para isso é imprescindível a regulamentação. Citou como exemplo as misturas de produtos, que por falta de regramentos não podem ser analisadas nem se obter um resultado desse uso. “Atualmente no Brasil existem mais de 200 plantas daninhas, o que dificulta o controle, mas não autoriza as misturas”, ratificou, justificando a necessidade de regulamentação.

Confira a palestra

 

Culturas com Suporte Fitossanitário Insuficiente


Em sua manifestação o Eng. Agr. Luis Gustavo Floss, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Canola (Abrascanola), fez um levantamento sobre a expansão da cultura da Canola no Brasil, que tem em torno de 150 mil hectares, em comparação com o Paraguai, que tem 88 mil.

Destacando em números o valor dessa cultura, que assim como várias no país ainda não tem o suporte fitossanitário necessário, ou seja, não possui produtos registrados para o uso.  “Existem muitos desafios pela frente, mas o mais preocupante, no momento, é a falta de registro de defensivos agrícolas para cultura, cujo registro no Mapa tem levado mais de cinco anos”, critica. Antes de finalizar, o Eng. Floss sugeriu a criação de uma área conjunta, que reúna representantes do Mapa, Ibama e Anvisa, formada exclusivamente por especialistas, para a aprovação e registro dos agroquímicos para essas culturas sem suporte.

Confira a palestra

 

A Legislação Federal e o Sistema de Registro de Agrotóxicos no Brasil

Eng. Britto apresentou a atuação do MAPA
“A avaliação dos agrotóxicos no Brasil se dá não com o advento da lei, mas desde 1934”, inicia a apresentação do Eng. Agr. Júlio Sérgio de Brito. Esse trabalho é desenvolvido pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, que tem como meta assegurar que os agrotóxicos e afins ofertados no mercado interno e externo sejam efetivos no controle de pragas e atendam aos requisitos legais para proteção do meio ambiente e da saúde humana, citando a Lei n. 7802/89, atualizada pela Lei n. 9974/00.

O foco de sua palestra foi sobre os esclarecimentos pertinentes à concessão de registro e produtos agroquímicos, conforme previsto no art. 5º do Decreto nº 4074/2002, que trata da produção, do armazenamento e do beneficiamento de produtos. Elencou, ainda, que existem três tipos de registro, o relativo à pesquisa e experimentação; o de produção, de comercialização e uso, devendo constar a marca comercial, a cultura e as doses testadas para o controle de cada alvo biológico; e a responsabilidade da empresa registrante, em caso de eficiência e riscos.

Citou as normas complementares que balizam o registro de produtos com menores riscos ambientais e toxicológicos. São elas para Bioquímicos - INC nº 32, de 26 de outubro de 2005; Semioquímicos - INC nº 1, de 23 de janeiro de 2006; Agentes Biológicos de Controle - INC nº 2, de 23 de janeiro de 2006; e para Agentes Microbiológicos - INC nº 3, de 10 de março de 2006. Já o Decreto nº 6.913/09 regra os produtos fitossanitários com o uso aprovado para a agricultura orgânica, com dispensa de RET e de registro de componentes.

As avaliações para o Registro Especial Temporário são feitas simultaneamente entre três órgãos, Mapa, Ibama e Anvisa. Com a aprovação, é feito o Registro do Produto. “Entretanto, para a comercialização deve se fazer o registro em cada Estado, para que se inicie o controle da fiscalização”, destaca o Eng. Britto. Exemplificou que, sem a fiscalização estadual, determinado produto não pode ser usado no Estado, cabendo à fabricante ficar responsável por essa tramitação estadual.

Registros nestes últimos 10 anos

Questionado pelos participantes sobre mistura em tanque, esclareceu que não é proibida, entretanto não está regulamentada. “Foi revogada a Portaria 67 que permitia a mistura em tanque, então a indústria está oferecendo a mistura pronta, tendo hoje sendo aprovado o registro de misturas com até quatro produtos”, esclarece. Ao finalizar indicou a consulta ao site do Mapa para averiguarem os produtos em registro.

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A Fiscalização do Exercício e Ética Pprofissional
O Eng. Agr. Márcio Amaral Schneider, analista de processos da Câmara Especializada de Agronomia do CREA-RS, explanou sobre a fiscalização do exercício profissional. Ressaltou o papel do CREA, em todo o contexto, em especial na regulamentação do exercício profissional e na fiscalização, que é inerente à emissão do Receituário Agronômico. “O enquadramento desta atividade como privativa de profissional habilitado no contexto da Lei 5.194/66 e as formas de infringência são combatidos pela fiscalização na emissão da receita agronômica”, reforça o Eng. Márcio.

O Eng. Agr. José Luiz Azambuja, vice-presidente do Senge-RS, alertou sobre a importância do responsável técnico nas propriedades e a questão da ética profissional. “As decisões individuais do profissional terão reflexo do produtor até o consumidor”, exemplificou e chamou os participantes à reflexão de suas atividades. Citou o receituário agronômico como o principal instrumento do profissional, devendo estar em acordo com a legislação vigente, sob pena de sanções legais. Para ele, as problemáticas do campo estão na emissão de receitas antecipadas e na falta de produtos registrados para algumas culturas específicas. 

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A Fiscalização do Comércio e Uso de Agrotóxicos
“À Secretaria Estadual de Agricultura e Pecuária (Seapa) compete fiscalizar o armazenamento, o transporte, o comércio, a prestação de serviço, o uso e o consumo de agrotóxicos e afins”, esclareceu o Eng. Agr. Rafael F. de Lima, chefe da Divisão de Insumos e Serviços Agropecuários da Seapa. Segundo ele, é importante conhecer o papel e atuação do órgão no Estado, principalmente no tocante à fiscalização sobre a emissão e o conteúdo da receita agronômica, o que difere da fiscalização do CREA, que verifica o exercício profissional.

Para a Seap, a receita em seu conteúdo deve ter o nome do usuário, propriedade e localização; diagnóstico; recomendação para que o usuário leia o rótulo e a bula; recomendação técnica; data; nome; CPF e assinatura do profissional emitente. O documento deve ficar à disposição dos órgãos fiscalizadores pelo prazo de dois anos, contados da sua emissão. 

Em especial, destacou como deve ser a recomendação técnica, alertando para os seguintes pontos: nome do produto comercial e eventual equivalente; cultura e áreas nas quais será aplicado; doses de aplicação e quantidades totais a serem adquiridas; modalidade de aplicação, com a notação de instruções específicas, quando necessário e, obrigatoriamente, nos casos de aplicação aérea; época de aplicação; intervalo de segurança (período de carência); orientações quanto ao MIP e resistência; precauções de uso; e orientação quanto à obrigatoriedade do uso de EPI.

Exemplificou as principais infrações cometidas pelos profissionais encontradas pelo órgão, destacando como as mais graves: prescrever receita agronômica com diagnóstico falso (cultura inexistente); prescrever receita agronômica com diagnóstico impossível; prescrever receita agronômica de maneira genérica, errada, displicente ou indevida; deixar a receita agronômica assinada e sem preenchimento do seu conteúdo sob responsabilidade do estabelecimento comercial; e prescrever a utilização de agrotóxicos e afins não cadastrados na Fepam. Neste último caso, citou produtos para a cultura do algodão, inexistente no RS. 

Destacou a fiscalização, em conformidade com o Decreto Federal 4074/2002, em propriedades rurais com normas específicas para o comércio, armazenamento e aplicação dos agrotóxicos, bem como em estabelecimentos comerciais, nos depósitos e propriedades. 

Confira a palestra

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