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Segue para sanção proposta que busca evitar tragédias como a da boate Kiss


Na madrugada de 27 de janeiro de 2013 um incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), provocou a morte de 242 pessoas e resultou em 680 feridos. Créditos: Arquivo CREA-RS

O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na terça-feira (7), Projeto de Lei (PL 2020/2007) que estabelece normas mais rígidas a serem seguidas por proprietários de estabelecimentos, autoridades públicas e profissionais, visando evitar tragédias como a da boate Kiss. O texto segue para sanção do presidente Michel Temer.

Confira o PL. 

Os deputados acataram as três emendas do relator da matéria no Senado, Paulo Paim (PT-RS). Quando da análise da proposta pela Casa, Paim destacou que o texto era fruto, entre outras contribuições, dos relatórios de comissões externas criadas pelo Senado e pela Câmara que investigaram as causas daquela tragédia.

Punições para empresários e prefeitos
O texto enviado à sanção determina que os responsáveis por estabelecimentos onde há reunião de público, que descumprirem as determinações do Corpo de Bombeiros ou do poder municipal quanto à prevenção ou combate de incêndios e desastres, estarão sujeitos à prisão de 6 meses a 2 anos. Poderão também arcar com multas e outras sanções de ordem penal e administrativa.

No que se refere aos prefeitos, incorrerão em improbidade administrativa os que deixarem de tomar as providências necessárias previstas no texto enviado à sanção. Eles terão o prazo máximo de dois anos para adaptarem ao planejamento urbano de suas cidades as normas especiais de prevenção e combate a incêndios e desastres, nos locais de grande circulação e concentração de pessoas.

Estas normas especiais deverão abranger estabelecimentos, edificações de comércio e serviços e áreas de reunião de público, cobertos ou descobertos, cercados ou não, com ocupação simultânea igual ou superior a 100 pessoas. Mesmo que a ocupação simultânea potencial seja inferior a 100, as normas deverão ser estendidas a locais em que, pela estrutura física ou peculiaridade das atividades, haja restrições à existência de mais de uma direção no fluxo de saída das pessoas.

Essas normas especiais também deverão valer para estabelecimentos que sejam ocupados predominantemente por idosos, crianças, pessoas em dificuldade de locomoção ou com grande quantidade de material inflamável.

Outros casos de improbidade administrativa
Pelo texto enviado à sanção, também incorrerá em improbidade administrativa, podendo perder o cargo, o prefeito que não obedecer aos prazos máximos estabelecidos na legislação municipal no trâmite de alvarás de licença, autorização ou de documento equivalente relacionado à aplicação da nova legislação, que esteja a cargo da prefeitura.

Também incorrerá em improbidade administrativa o oficial do Corpo de Bombeiros que, tendo essas tarefas sob sua responsabilidade, deixar de tomar providências necessárias para garantir a observância dos prazos máximos estabelecidos na legislação estadual para o trâmite administrativo voltado à emissão de laudos, autorizações ou outro ato relacionado à aplicação da nova lei.

Caberá a cada estado e município estabelecer, por lei própria, os prazos máximos de trâmite administrativo voltado à emissão dos alvarás de licença, autorização ou laudos relacionados à aplicação da nova legislação.

Limite de público e fim de comandas
Tendo em vista a proteção da saúde e a segurança em casos de ocorrência de incêndios e outros sinistros, ficará proibida a adoção do sistema de comandas para o controle do consumo de produtos em boates. Outros tipos de estabelecimentos também poderão ser obrigados a vedarem as comandas caso seja este o posicionamento do Corpo de Bombeiros ou da prefeitura, expresso por meio de licença ou outro ato administrativo.

Segundo relatos de sobreviventes da tragédia na Kiss, a exigência do pagamento das comandas, feitas por funcionários da boate mesmo após o início do incêndio, teria contribuído diretamente no aumento do número de mortos. Pelo texto, cada pagamento deverá ser feito no instante de consumo do produto.

Também passa a ser considerada prática abusiva permitir a entrada, em estabelecimentos comerciais ou de serviços, de um número de consumidores maior que o fixado pela autoridade administrativa como o máximo para aquele local.

Independentemente da garantia do construtor e da inspeção técnica periódica, o proprietário do estabelecimento fica obrigado a assegurar o livre acesso na realização de vistorias pelo poder público e pelos responsáveis dos respectivos projetos de arquitetura e engenharia.

Funções dos Corpos de Bombeiros
Caberá ainda ao Corpo de Bombeiros aplicar as advertências, multas, interdições e embargos na forma da legislação estadual pertinente.

Os municípios que não contarem com unidade do Corpo de Bombeiros Militar instalada poderão manter serviços de prevenção e combate a incêndios, mediante convênio com a respectiva corporação militar estadual.

Já o processo de aprovação de construção, reforma ou uso de estabelecimentos, voltado à emissão de alvarás de licença por parte das prefeituras, deverão observar entre outros pontos as condições de acesso para operações de socorro e evacuação de vítimas, além da priorização de materiais de construção com baixa inflamabilidade.

Fonte: Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

ENTENDA AS DIFERENÇAS

O Eng. Civil Carlos Wengrover  é o representante do CREA-RS no Conselho Estadual de Segurança, Prevenção e Proteção Contra Incêndio (COESPPCI). Órgão superior normativo e consultivo para os assuntos de que trata a Lei Complementar (LC) nº 14.376, de 26 de dezembro de 2013. Instituído através do art. 9º da LC nº 14.376/2013, encontra-se regulamentado através do Decreto Estadual nº 51.518, de 26 de maio de 2014, Decreto Estadual nº 52.516, de 17 de agosto de 2015 e Decreto Estadual nº 53.189, de 06 de setembro de 2016. É composto por entidades representativas da sociedade, como o CREA-RS e o CAU-RS, sob a coordenação do Corpo de Bombeiros.

Segundo ele, há alguns pontos divergentes entre a Lei Estadual e Federal, que exige, por exemplo, obediência às Normas da ABNT, enquanto as estaduais obedecem suas próprias Resoluções Técnicas e Instruções Técnicas. "Notei, ainda,  que a lei nacional fala em "locais com capacidade de 100 pessoas ou mais", enquanto a estadual classifica por "risco", conforme o tamanho dos locais", explica.

O Engenheiro destaca também que a Lei Estadudal estabelece prazos diferentes para vistoria, como 1 ano, ou de 2 a 5 anos, conforme o grau de risco e tamanho do local, enquanto a federal diz que deve ser anual para locais com 100 pessoas ou mais. "É muita vistoria, pois nem mesmo o Corpo de Bombeiros, nem os municípios juntos têm esta capacidade. Sugiro credenciar Engenheiros e Arquitetos autônomos para fazerem as vistorias, a exemplo de como é feito na Caixa Econômica Federal e no Poder Judiciário com os peritos", detalha.

O processo de aprovação de uma construção, instalação ou reforma deverá observar ainda a legislação estadual sobre o tema, as condições de acesso exigidas para operações de socorro e retirada de vítimas; e a prioridade para uso de sistemas preventivos automáticos de combate a incêndio. Nesse sentido, o texto que vai à sanção determina aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios a adaptação de suas leis para assegurar a observância das Normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) sobre o assunto.

Para o Engenheiro Wengrover, a lei gaúcha utiliza suas próprias Resoluções Técnicas, que são adaptações das Normas da ABNT, mas as leis estaduais terão que se adaptar e aceitar as normas da ABNT. "Por outro lado, várias normas da ABNT da área de incêndio necessitam atualização, para que possam ser realmente úteis sem causar retrocesso", lembra.

Salienta também que o CB-24 RS - Comitê Brasileiro de Segurança Contra Incêndio Regional RS recentemente concluiu a Norma ABNT para Segurança Contra Incêndio para Estabelecimentos Assistenciais de Saúde (hospitais, etc.). "O Estado do RS tem experiência e excelentes Engenheiros e Arquitetos capazes de atualizar algumas normas importantes da ABNT, de segurança contra incêndio. Nós nos colocamos à disposição da ABNT, principalmente para a revisão da NBR 9077 - Saída de Emergência, que foi criada em solo gaúcho", pontua.

Para ele, o item “Saídas de Emergência” foi um dos mais debatidos depois da tragédia na Kiss, pelo fato de a lei em vigor remeter para uma Norma da ABNT (9077) que diz que as portas devem ser “preferencialmente” em lados opostos. "A lei, portanto, deixa brecha para interpretações, pois não obriga que as portas sejam opostas. Na Kiss, não eram. E hoje, dois anos depois da tragédia e mesmo existindo uma nova lei, ainda está em vigor essa Norma (menos em cidades que tenham uma lei com determinação mais rigorosa em relação às portas). A Lei de Porto Alegre, por exemplo, determina portas em lados opostos ou separadas por uma distância de três metros. A lei gaúcha pede uma separação mínima entre as portas de 10 m e que as portas sejam em paredes diferentes. Considero um exagero os 10 m", avalia.

A lei federal diz que "Cabe ao Corpo de Bombeiros Militar planejar, analisar, avaliar, vistoriar, aprovar e fiscalizar as medidas de prevenção e combate a incêndio e a desastres em estabelecimentos, edificações e áreas de reunião de público". Na lei estadual, a partir da emenda do ano passado, passou a ser pedido um certificado on-line para empreendimentos de baixo e médio risco de até 200 metros quadrados, sem necessidade de vistoria dos Bombeiros. "Esse certificado, no entanto, não está previsto na lei federal. No entanto, qualquer prédio deve ter algum tipo de vistoria e responsável técnico, para obedecer às legislações profissionais de Engenharia e Arquitetura", afirma.

Pelo texto da Lei Federal, quem descumprir as determinações do Corpo de Bombeiros ou do poder público municipal quanto à prevenção e combate a incêndio e a desastres incorrerá em crime. A pena prevista é de seis meses a dois anos de prisão e multa. "A lei gaúcha prevê advertência, multa e interdição. A lei federal é muito exagerada e, como a maioria dos órgãos públicos, coloca dificuldades ao empreendedorismo. Depois não entendem por que o Brasil vive em crise", avalia.

A Lei Federal prevê que tanto o prefeito quanto o oficial do Corpo de Bombeiros poderão ser processados por improbidade administrativa. No caso do prefeito, isso poderá ocorrer se não for realizada vistoria anual ou se, quando necessária, não for decretada a interdição imediata por alto risco. Ou então se deixar de exigir o cumprimento de normas. O oficial do Corpo de Bombeiros poderá ser punido se não cumprir prazos máximos para emissão de laudo ou autorização. Já a lei estadual não prevê prazo para o Corpo de Bombeiros emitir seus documentos.

"No momento, eles fazem o que podem. Necessitam de profissionais de Engenharia e Arquitetura em seus quadros de oficiais, para dar celeridade e segurança. O Corpo de Bombeiros precisa urgentemente ser emancipado da Brigada Militar, para ter sua autonomia, para poder dar celeridade aos seus processos. Por exemplo, o Corpo de Bombeiros possui uma verba de convênio de R$ 21 milhões, que só pode ser utilizada após a separação da BM", destaca.

Ressalta ainda que é cedo para conclusões com relação à Lei Federal, pois ela necessita ser bem regulamentada, para que os efeitos desejados possam ser efetivados.

"Não acredito que a Lei Kiss gaúcha possa ser derrubada. Mas deve ser reestruturada. Ela é composta de lei, decreto, Resolução Técnica, portaria, parecer, etc. cujos assuntos estão misturados. Deveríamos separar e colocar cada assunto no local certo: o que é de lei vai na lei, o que é de decreto vai no decreto e o que é técnico vai nas Resoluções Técnicas. Essas últimas deveriam ficar a cargo do Conselho Estadual de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (COESPPCI).

 

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