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CREA-RS Entrevista: Nova Lei de Licitações, com o Eng. Luis Roberto Ponte


Créditos: Arquivo CREA-RS

No dia 1º de abril, foi sancionado o novo marco legal das licitações (Lei 14.133, de 2021). A nova norma vai substituir após dois anos de transição, a Lei Geral das Licitações (Lei 8.666, de 1993), a Lei do Pregão (Lei  10.520, de 2002) e o Regime Diferenciado de Contratações/RDC (Lei 12.462, de 2011).

O presidente Jair Bolsonaro vetou 28 pontos, entre eles o §2° do artigo 37, que previa a obrigatoriedade de julgamento por melhor técnica ou por técnica e preço, e serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual para valores acima de R$300 mil, o que envolve os projetos de Engenharia. A lei estabeleceria proporção de 70% de valoração para técnica e 30% para o preço. 

O CREA-RS Entrevista de hoje conversou com o presidente da Sociedade de Engenharia do Rio Grande do Sul (Sergs), Eng. Luis Roberto Andrade Ponte, para compreender quais as diferenças entre a antiga Lei das Licitações e a nova, aprovada recentemente, e quais as principais críticas que os Engenheiros têm direcionado a esta nova norma.
 
CREA-RS : Quais as principais diferenças entre a Lei 8.666 e a nova Lei de Licitações?

Eng. Ponte: A lei 8.666 obriga que se defina com clareza o projeto da obra em licitação, as suas especificações e as obrigações que têm o contratante e o contratado, de forma concreta que evita a subjetividade indutora de diversas interpretações. As decisões sobre o projeto da obra e sua execução, na nova Lei de Licitações são cheias de subjetividades, e sempre que há subjetividades os julgamentos facilitam o direcionamento de obras e a corrupção, com a aparência de que se quer fazer o melhor.
As leis deformadas ou omissas costumam vestir a roupagem de que pretendem fazer o bem, passando sempre a ideia de que a intenção é fazer justiça, mesmo quando provocam o mal. Essa nova lei permite interpretações extremamente dúbias, que vão ensejar uma enorme confusão nas decisões a serem tomadas, e uma total insegurança jurídica: este é o ponto principal de deformação da Lei.
Além disso, ela permite que responsabilidades normalmente pertencentes ao contratante, por exemplo, a liberação de jazidas e de licenças ambientais, passem para o contratado, o que acarretará dificuldades e atrasos na execução, e insegurança e prejuízo para quem está executando a obra, que fica sem amparo legal para cumprir essas responsabilidades.

CREA-RS: Quais suas principais críticas a essa nova legislação?

Eng. Ponte: Algumas críticas já foram ditas na resposta anterior, mas há várias outras. Por exemplo, eu critico o fato de as concorrências de obras de engenharia serem feitas através de pregão eletrônico, o que é proibido na lei 8.666. Isso acarreta a concorrência irresponsável de aventureiros, com a equivocada concepção de que quanto menor o preço tanto melhor para o órgão contratante. O preço deve ser analisado com muito cuidado para podermos abandonar as propostas de preços inexequíveis, como a lei 8.666 prevê. Outra crítica é que há permissão para que se faça negociação com o proponente. Isso é uma porta aberta para a corrupção.
Além disso, há o estabelecimento de “matriz de risco”, um mecanismo que passa para o proponente as responsabilidades pelos riscos imprevisíveis, mediante um pequeno acréscimo no preço da obra, ficando ele responsável por todos os imprevistos que ocorram. O resultado, dependendo do que ocorrer, é que ele não vai concluir a obra, ou vai “negociar” uma solução com o contratante.
Outro problema é o prazo para pagamento das faturas. A Lei 8.666 dispõe que o serviço executado em um mês tem que ser pago até 30 dias após o final deste mês, independentemente da data de emissão da fatura, estabelecendo ainda que haverá correção monetária e penalizações por atraso de pagamento, desde a data máxima estabelecida para seu cumprimento. Já, na nova lei, há apenas o direito de o contratado rescindir o contrato se a fatura não for paga em 45 dias a contar da sua emissão. Como a emissão da fatura necessita ser autorizada pelo órgão, isto significa que não haverá prazo para os pagamentos, que podem ser retardados arbitrariamente pelo contratante, bastando protelar a autorização do faturamento.
A nova lei também permite a contratação integral, por RDC, mesma modalidade usada para as obras da Copa, sem existência de projeto. Isso é uma aberração: como orçar uma obra sem o projeto? O proponente, na verdade, aposta em um acerto posterior com a administração para combinar um projeto que caiba no valor que ele pretende receber com a margem que estipulou. Além disso, é possível adotar o mecanismo corruptor do orçamento escondido, muito utilizado no governo Collor, para direcionar a concorrência a quem se queira, os amigos do rei. Ninguém fica sabendo do preço mínimo, à exceção do escolhido para vencer. A sociedade, os partidos políticos, a comunidade, os concorrentes, ninguém, pode examinar previamente o orçamento para saber se está correto ou não para o objeto licitado.
Por fim, ainda destaco outro mecanismo esdrúxulo, o do desempate. A nova lei considera que proposta abaixo de 75% do orçamento escondido será desclassificada. Embora o orçamento não seja publicado, ele tem que ser feito com base nos preços do Sinapi, uma tabela oficial do governo. Dependendo de quantos itens do orçamento não existam na tabela, é possível estimar o preço mínimo. Quando mais de uma proposta está empatada nos 75%, há um critério subjetivo de desempate, ou seja, há uma avaliação subjetiva de qual é a empresa mais qualificada, ensejando o direcionamento da obra.
Na Lei 8.666, no caso de empate, o desempate é feito por sorteio, porque as empresas com propostas aceitas foram pré-qualificadas, e consideradas habilitadas e com plenas condições de executar a obra.  Não é justo separar as empresas dessa forma, porque, em tese, as obras serão feitas cumprindo a mesma especificação, seja qual for a empresa vencedora. Por isso, o desempate justo seria por sorteio.

CREA-RS: Você considera que essa mudança fragilizará a qualidade dos serviços da área de engenharia na área pública?

Eng. Ponte: Sempre há casos que podem fragilizar a qualidade, porque na concorrência pelo RDC, na modalidade de contratação integrada, não há o projeto, que só é feito depois de assinado o contrato. Na hora de executar o projeto, a concorrência já está ganha, já foi estabelecido o preço, mas será possível negociar “simplificações” do projeto com o órgão. Ao negociar as “simplificações” há uma tendência de diminuir a qualidade daquilo que não estava definido e não havia especificação na concorrência, prestando-se magistralmente para isso. Assim é o RDC. Esse tipo de processo, na minha opinião, só deveria ser aplicado em casos de obras extremamente sofisticadas e complexas em que o governo deseje executar um primoroso projeto arquitetônico e de engenharia.
Entretanto, da forma como está estabelecido, em que se pode aplicar os mecanismos de RDC em obras corriqueiras, é perigoso, pois tem grande potencial de redução da qualidade da obra e, ao mesmo tempo, de corrupção.
Lembro que pela nova Lei, as obras normais, não são obrigadas a serem contratadas utilizando o RDC. Para essas, as mudanças da Lei não prejudicam necessariamente a qualidade das obras, mas prejudicam o seu andamento e a seriedade dos contratos, dificultando a ampliação das empresas limpas que querem cumprir corretamente o seu papel de atender o bem comum e, por outro lado, contribuindo para disseminar as mal intencionadas que querem ganhar dinheiro escuso mediante práticas corruptas obtidas através de licitações com vencedor pré-estabelecido pela própria administração. 


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