Créditos: Arquivo CREA-RS

segunda, 26 de julho de 2021

Durante sua formação como Engenheiro Civil no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Orlando Lustosa nunca imaginou aplicar os conhecimentos do curso na área da moda. Em 2014, entretanto, o destino fez com que ele fosse um dos criadores da marca Flee, um e-commerce de moda praia que nasceu com o propósito de ser o maior E-commerce de moda leve do Brasil.

A moda surgiu na vida do Engenheiro como uma oportunidade de empreender no mercado digital, usando tecnologia, processos e, assim, atingindo mercados que ainda estavam inexplorados. No CREA-RS Entrevista de hoje, ele nos conta mais sobre como a Engenharia e a moda se encontram na Flee e sobre como a empresa faz uso de ideias da engenharia, também, para produzir um comércio justo. Confira!

 

CREA-RS – O propósito central da Flee é ser uma moda praia a preço justo. A Engenharia faz parte do processo que permite que isso aconteça? Como a Engenharia pode ajudar a moda e vice-versa? 

Eng. Orlando – Sim. A Engenharia é o centro do processo, tanto na parte de processos fabris como em processos tecnológicos. O tempo todo, buscamos caminhos de otimização em material, custos e sobretudo processos. Falando sobre a sinergia entre moda e Engenharia, a moda é um dos mercados mais complexos que existem, porque você tem ali diferentes competências ornando entre si: a Engenharia de vendas, a parte fabril, que é uma manufatura muito intensiva, tem a parte da organização de compras com fornecedores, a de limites de estoque, quebra de estoque. Há muitos setores para tratar, então é um problema complexo. Para se ter uma ideia, quando você precisa gerenciar 100 mil unidades dentro de um estoque e cada uma dessas unidades tem diferentes tipologias, há um arranjo muito complexo, são muitas linhas de tabela para você gerenciar. Então, em suma, tem muita sinergia entre Engenharia e moda. Quando você coloca o problema de tecnologia (e-commerce), surgem várias oportunidades de otimização. Existem as questões de frete e outras da própria tecnologia de plataformas, de marketing digital, que é a Engenharia pura. Independentemente da área que o profissional esteja mais focado, seja Engenheiro Civil, de Computação, etc, as competências que a gente tem são interdisciplinares, o que nos permite tratar problemas de qualquer natureza que envolva dados: gestão e otimização, por exemplo.

CREA-RS – Outra ideia da Flee é a sustentabilidade. Onde encontramos a sustentabilidade na prática da Flee? Essa ideia veio da sua formação em Engenharia?

Eng. Orlando – Sustentabilidade é um conceito que foi muito deturpado com o tempo, porque o pessoal entende que a sustentabilidade é reciclagem, mas não tem nada a ver. Ou melhor, a reciclagem é uma etapa dentro do processo de sustentabilidade. Quando falamos sobre sustentabilidade, falamos de sustentabilidade financeira, de relações justas do trabalho, porque você precisa assegurar que os profissionais da sua empresa tenham uma remuneração justa. Então eu acho que o comércio justo seria o tema mais apropriado para o que a gente tenta fazer. É o capitalismo 3.0, comércio justo, são conceitos que vão além da sustentabilidade.

Para tudo que emitimos de papel, temos um contrato com uma agência de reciclagem que recicla a mesma quantidade de papel que a gente emite – principalmente caixas de papelão de transporte. Cem por cento da nossa fábrica é movida por energia solar, através de painéis de usinas solares. Além disso, todos os nossos resíduos, como retalhos e tecidos, são doados para instituições, já que grande parte dos resíduos com os quais trabalhamos é resíduo sintético, que é muito prejudicial ao meio ambiente.

Nós também trabalhamos com a escolha de fornecedores. Todos os nossos fornecedores são nacionais ou que temos certeza de que não estão trabalhando com nenhuma mão de obra de forma ilegal. Todos esses aspectos, então, são parâmetros importantes para nós. Quando a gente fala de comércio justo – e, para nós, isso é mais do que responsabilidade, é um desejo que sempre tivemos –, falamos de seguir corretamente toda a parte fiscal, tributária, de relações trabalhistas. Felizmente, eu acho que conseguimos adquirir um grau de responsabilidade que eu não diria que é diferenciado, porque deveria ser o básico para todas as empresas. Assim como pagar impostos não é diferencial, reciclar também não deveria ser, pois é o básico. 

CREA-RS: Você acredita que o trabalho transdisciplinar como é o realizado pela Flee, em que Engenheiros criam com profissionais de diferentes áreas, vai se tornar cada vez mais forte?

Eng. Orlando – Para mim, a transdisciplinaridade já está cada vez mais forte. Eu acho que hoje não há empresa, por exemplo, que não exista no mundo digital. E, quando falamos em mundo digital, falamos de outras competências envolvidas no processo. Por exemplo, se você precisa estar no Instagram, você necessita ter profissionais que entendam de design, de estética, de comunicação. Dessa forma, necessariamente todas as empresas, de qualquer setor, desde o pet shop à padaria, têm que ter um departamento que envolve competências de comunicação, de design, jornalísticas, e comunicação de uma maneira geral, certo? Por isso eu acho que todas as áreas, e não só a moda, vão ficar cada vez mais transdisciplinares.

E, nesse caso, eu acho que o Engenheiro e a Engenheira têm um ponto de privilégio em relação a outras áreas de conhecimento, porque a gente tem uma forte carga do “aprender a aprender”. Isso vem porque precisamos nos virar muito na faculdade. As disciplinas de exatas têm muita exigência desse esforço de aprendizagem-solo. É preciso exercitar muito, pesquisar sozinho e assim aprendemos a aprender. Há evidências de mercado que demonstram isso, que a Engenharia tem essa “vantagem” em relação a outras áreas. Além disso, os engenheiros estão em todas as áreas do conhecimento humano: há engenheiros atuando no mercado financeiro, outros como gestores, donos de empresa, na área de comunicação, enfim. E isso vem justamente do nosso jeito de estudar que é transposto de forma muito clara para a vida profissional.